sábado, 21 de março de 2009

Anos 80, a década perdida [...]



Anos 80, a década perdida [...]

Naquele tempo o que importava era viver a vida, de uma forma assim, digamos, despretensiosa, afinal o fantasma da globalização ainda não havia se constituído efetivamente por esses lados. O Brasil ainda era prisioneiro da ditadura militar e as suas marcas ainda sangravam vorazmente. Mas, havia uma luz no fim do túnel, artistas, intelectuais e dirigentes do MDB trabalhavam nos bastidores para que a nação se conscientizasse, que não dava mais para viver num estado de exceção, era preciso reconquistar a democracia, a liberdade de expressão, para assim, um novo país renascer. O presidente Figueiredo já dava sinais, que poderia permitir a abertura; a ditadura militar estava desgastada e o movimento Diretas-Já ganhava cada vez mais força. Grandes comícios na Praça da Sé, em São Paulo, despertavam o país; a mudança era inevitável e necessária. Como felizmente acabou acontecendo. Essa história já conhecemos, mas é fundamental, que não a esqueçamos.

Usei o gancho da situação política do Brasil na época, para melhor externar minha particular visão sobre a década de 80; quero falar mesmo, é sobre o rock nacional, aquele movimento que tomou conta do país e marcou toda uma geração de brasileiros. Bandas de garagem chegaram ao estrelato, com suas letras despretensiosas, bem-humoradas, inteligentes, ferinas, poéticas, visionárias e até revolucionárias. De Brasília, vinha: Os Paralamas do Sucesso, liderados por Herbert Vianna (compositor poético e inteligente); a Legião Urbana, liderada por Renato Russo (vocalista genial, compositor poético e eloqüente); o Capital Inicial, do vocalista Dinho Ouro Preto (performático e excelente intérprete) e dos irmãos Fê e Flávio Lemos (excelentes compositores); a Plebe Rude, com seu rock mais pesado e contestador; do Rio: a Blitz, liderada por Evandro Mesquita (irreverente e com uma nova linguagem musical); o Barão Vermelho, liderado por Cazuza [in memorian] (poeta "maldito" de letras maravilhosas) e Roberto Frejat (grande músico e compositor); o Sempre Livre (grupo composto só por mulheres), liderado pela excelente vocalista Dulce Quental; a turma do Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, liderados pela excelente compositora e vocalista Paula Toller e pelo poeta, compositor e vocalista Leoni (que depois saiu do grupo e formou a banda Heróis da Resistência); o grande Lulu Santos (músico, compositor e artista genial); o showman Léo Jaime (irreverente, criativo, músico e compositor de grandes sucessos); o audacioso Lobão, com suas letras densas, poéticas, com sua musicalidade envolvente e vocal contundente; o RPM, liderado por Paulo Ricardo (carismático vocalista e compositor) e Luiz Schiavon (instrumentista, arranjador e compositor); além da Gang 90 & as Absurdettes, liderada pelo saudoso Júlio Barroso e do Biquini Cavadão, que fez muito sucesso com as músicas: Tédio, Timidez e Vento ventania ; de São Paulo: o Ultraje à Rigor, liderado por Roger Moreira (irreverente, sagaz, performático e criador de grandes sucessos); o Ira!, liderado por Edgar Scandurra (guitarrista e compositor de habilidades notáveis, como: músico e letrista) e Nasi (vigoroso vocalista); os Titãs, com seus oito rapazes de habilidades múltiplas, Arnaldo Antunes (poeta, escritor, compositor, vocalista), Branco Mello (vocalista, compositor, escritor, documentarista), Tony Bellotto (guitarrista, cineasta, escritor), Nando Reis (compositor, vocalista, músico), Marcelo Fromer [in memorian] (músico, comentarista de futebol, colunista), Charles Gavin (baterista, produtor de discos e escritor), Paulo Miklos (vocalista, músico, ator, compositor), Sérgio Britto (vocalista, compositor, músico); além das bandas: Metrô (com o vocal inconfundível de Virginie) e de sucessos, como: Johnny Love, Ti ti ti, Beat acelerado, Sândalo de Dândi e o Rádio Táxi, de sucessos maravilhosos, como: Garota dourada, Sanduíche de coração, Dentro do coração, Coisas de casal, Eva; liderado pelo saudoso e excelente guitarrista, Wander Taffo e por Lee Marcucci, além dos integrantes, Willie (primeiro vocalista) e Maurício Gasperini (vocalista que assumiu o posto deixado por Willie e não decepcionou os fãs); do Rio Grande do Sul: os Engenheiros do Hawaii, liderados por Humberto Gessinger (compositor, excelente letrista e vocalista) e a banda Nenhum de Nós (dos estrondosos sucessos: Astronauta de Mármore e Camila, Camila).

Enfim, essas bandas e seus integrantes criaram uma nova cena na música e no rock brasileiro dos anos 80. As rádios fm que faziam sua programação baseada em artistas internacionais, gradativamente e rapidamente, abriram espaço para as canções do rock nacional; assim, as bandas e seus componentes, viraram, em pouco tempo, estrelas da mídia brasileira; muitos até tocaram no exterior.

Paralelamente, as danceterias explodiram em cada canto do país, shows aconteceram todos os dias, com lotação máxima; as televisões também abriram grande espaço para todos eles, de uma forma nunca antes vista; os jovens se divertiram com suas roupas coloridas, nas festas e nas danceterias, despretensiosos e menos ansiosos com quaisquer outras preocupações; nossos finais de semana foram mais felizes e menos violentos, seja nas noites de sábado, nas matinês, ou, nas tão esperadas domingueiras. Todos, só queriam paquerar, curtir o som, dançar, dançar e dançar, até não agüentar mais. As músicas atravessaram com vigor os anos seguintes, continuam aí, atuais, inoxidáveis, nos encantando e conquistando novas gerações de adeptos. (ml)

Alguns versos de algumas canções desses geniais artistas:

...só depois de muito tempo fui entender aquele homem, eu queria ouvir muito, mas ele me disse pouco...
DIAS DE LUTA, Ira!
...juventude se abraça, se ilude pra esquecer, um feliz aniversário para mim ou pra você...
ENVELHEÇO NA CIDADE, Ira!
...eu vou lutar por esse amor até o fim, não vou mais deixar eu fugir de mim...
EU ME AMO, Ultraje à Rigor
...a gente não sabemos escolher presidente, a gente não sabemos tomar conta da gente...
INÚTIL, Ultraje à Rigor
...a gente não quer só comida, a gente quer a vida como a vida quer...
COMIDA, Titãs
...devia ter arriscado mais e até errado mais, ter feito o que eu queria fazer...
EPITÁFIO, Titãs
...tua tristeza é tão exata e hoje o dia é tão bonito, já estamos acostumados, a não termos mais que isso...
HÁ TEMPOS, Legião Urbana
...faço nosso o meu segredo mais sincero e desafio o instinto dissonante...
DANIEL NA COVA DOS LEÕES, Legião Urbana
...não me importam os seus atos, eu não sou mais um desesperado, se eu ando por ruas quase escuras as ruas passam...
MÚSICA URBANA, Capital Inicial
...vocês se perdem no meio de tanto medo, de não conseguir dinheiro pra comprar sem se vender...
FÁTIMA, Capital Inicial
...e a cidade que tem braços abertos num cartão postal, com os punhos fechados da vida real...
ALAGADOS, Paralamas do Sucesso
...e são tantas marcas que já fazem parte, do que eu sou agora, mas ainda sei me virar...
LANTERNA DOS AFOGADOS, Paralamas do Sucesso
...tudo é mistério longe de você é feito um sinal vermelho no meu coração...
JOHNNY LOVE, Metrô
...quem vive mente mesmo sem querer e fere o outro, não pelo prazer...
AGORA EU SEI, Zero e Paulo Ricardo
...o céu é só uma promessa, eu tenho pressa, vamos nessa direção, atrás de um sol que nos aqueça...
A PROMESSA, Engenheiros do Hawaii
...qualquer nova, qualquer notícia, qualquer coisa que se mova é um alvo e ninguém tá salvo...
O PAPA É POP, Engenheiros do Hawaii
...eu vejo a vida melhor no futuro eu vejo isto por cima do muro de hipocrisia, que insiste em nos rodear...
TEMPOS MODERNOS, Lulu Santos
...os livros na estante já não têm mais tanta importância, do muito que li, do pouco que sei, nada me resta...
UMA MENSAGEM DE AMOR, Léo Jaime
...a lua inteira agora é um manto negro... são quatro ciclos no escuro deserto do céu...
O ASTRONAUTA DE MÁRMORE, Nenhum de Nós

sexta-feira, 6 de março de 2009

Carta póstuma



Amigo o que fizeram com você? Por que as coisas tinham que acontecer dessa forma? Ainda estou anestesiado, tentando entender, querendo não acreditar, imaginando que poderia ser apenas um pesadelo, resolvido quando eu abrisse meus olhos.

A vida foi covarde com você, o apunhalou pelas costas, te levou precocemente, de uma forma estúpida, sórdida, por tão pouco.
O seu algoz, um marginalizado pela vida, não sabe o mal que lhe causou, a dor que provocou em seus familiares, em seus amigos, em seu Henrique (único e amado filho), em seus amores.
Tantos sonhos, tantos projetos, tanta luta, tanta vontade de viver, tudo ceifado através de um disparo fatal, corvarde, sem que houvesse uma nova oportunidade de respirar.
Você não merecia isso, havia muita coisa a ser vivida, a ser resolvida, a ser compartilhada. Continuo me perguntando, por que aconteceu com você, mas poderia acontecer comigo também, o que seria da minha família, dos meus filhos e os meus sonhos [...]
Imagino a sua dor, a sua decepção, a sua contrariedade. Somos da mesma idade, tínhamos muitas afinidades, vivemos juntos grandes momentos, principalmente na nossa adolescência, momentos que ficarão marcados para sempre.
Ainda não consigo processar o ocorrido, nem sei se isso será possível um dia, talvez, somente no dia em que eu partir.

Outras perguntas ficam sem resposta e me perseguem, será que existe vida após a morte? Será que nos encontraremos em outro plano, para entender tudo isso? Será que há reencarnação, para que possamos continuar essa história de amizade?
Ou, tudo é simples assim; morreu, acabou, cessou tudo, nada mais importa?

Arrependo-me de não termos nos encontrado mais vezes, para bater papo, tomar uma cerveja, abrir o coração, falar das nossas alegrias, das nossas mais secretas verdades, dos nossos medos, dos nossos projetos pessoais. Tuca, você foi possivelmente, o meu melhor amigo, descanse em paz.

Marcão, é assim que você me chamava.

Carta póstuma, para o meu grande amigo Tuca (Agenor Donizeti Ferreira), covardemente assassinado no dia 25/02/2009.